terça-feira, 27 de outubro de 2009

caindo na real.

quando um assistente da odontologia do instituito de psiquiatria é chamado para ir ao presídio atender o champinha, você se toca da profundidade do buraco que se meteu quando passou na prova da residência.

terça-feira, 20 de outubro de 2009

segredos.

ambulatório de pediatria.
pego o prontuário do próximo paciente. é uma garota de 13 anos, HIV positivo, transmissão vertical (transmitido de mãe para filho).
vou até a sala de espera e chamo pelo nome. a mãe vem logo atrás. eu indico o consultorio 7 pra paciente, a mãe segura meu braço e me para no meio do corredor enquanto a paciente se dirige ao consultorio, se distanciando de nós.
"doutora, por favor... não comente nada sobre a doença dela..."
"o HIV?" pergunto, achando que a mãe se referia a alguma outra coisa.
"sim. ela ainda não sabe por que ela trata no instituto da criança e nem pra que são os remédios que ela toma... ainda não consegui contar. por favor, não diga nada."

foi a primeira vez que ouvi um pedido de mãe tão sério assim. (de uma mãe que não fosse a minha).

atendo a paciente com o peito apertado e a cabeça a mil.
como será quando a mãe contar?
como será quando a filha souber?
os laços podem se estreitar como nunca mas também podem se afrouxar pra sempre.

encerro a discussão em minha cabeça com apenas uma certeza: a mãe tem que contar antes que a filha inicie a tal da "vida sexual".

...mas o peito... hm, o peito continua apertado.

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

percepções.

de todo os pacientes com câncer que eu atendo, os que mais tem me deixado curiosa a respeito de como eles percebem a doença e a situação em que estão, são os adolescentes jovens.

atendi um garoto de 14 anos com leucemia. a cabeça estava raspada, não porque é moda ou porque assim ele se acha mais bonito. vocês sabem o motivo.
queria muito saber o que se passa na cabeça dele. pelo menos no dentista ele conversa quando alguém fala com ele.. não dá sinais de cansaço psicológico, desânimo ou depressão.
o que eu queria saber vai além. o que ele pensa quando está sozinho, sem conseguir dormir na enfermaria? com o que ele sonha? ele tem noção de que pode morrer logo mais? ou prefere esquecer isso e pensar que em breve estará andando de skate e jogando video game com os amigos denovo?

eu não sei como perguntar isso pra ele.
acho que tenho medo da resposta que pode vir.

quarta-feira, 14 de outubro de 2009

Moebius.

o nome completo é Sindrome de Moebius.

a característica mais gritante é a deformidade de extremidades, como braços e pernas mais curtos, além dos dedos parecerem "colados" uns aos outros.

entretanto, converse com esse paciente um pouco. fique ao lado dele e pergunte coisas que você perguntaria a qualquer criança de 7 anos. "tudo bem?" "tem ido a escolinha?" "você gosta de brincar com seus irmãos?" "qual a sua comida favorita?"
ele responde a todas as suas perguntas... essa síndrome pode vir acompanhada de retardo mental, mas não é sempre e muitas vezes esse retardo é bem leve. você olhou nos olhos dele enquanto conversavam. na minha posição, de dentista, também aproveitou que ele falava pra observar a boca e os dentinhos mais visíveis. percebeu?
percebeu como a expressão facial não muda? que quando ele fala que adora o recreio pra brincar no parque a expressão é idêntica a quando ele diz que não gosta de jiló? que durante a anestesia ele reclama de dor, mas nenhum musculinho da testa se move? que quando ele está feliz ele não sorri?

essa síndrome causa uma alteração no nervo responsável por mover os músculos da face. os músculos da expressão facial simplesmente não se movem. a isso os médicos chamam de "face em máscara".

agora um detalhe. a causa dessa síndrome não é conhecida. mas tem um estudo... que quando eu li, foi pior do que todos os filmes de terror que já vi:
49% das crianças portadoras da Síndrome de Moebius estudadas nasceram após tentativas frustradas de aborto com o uso de misoprostol.
misoprostol é o nome genérico do citotec.

agora, lembrem-se que o retardo mental não está presente em 100% dos casos. imagina quando o meu pacientinho de 7 anos crescer mais um pouquinho e for na internet pesquisar sobre a doença dele.
pelo menos ele vai conseguir esconder bastante dos pais o quanto está se sentindo miserável.

domingo, 4 de outubro de 2009

sobre o nome do blog.

felizmente, esta é a época da minha vida em que estou conhecendo e convivendo em um hospital. pra não dizer que nunca tive amigos ou parentes que passaram por enfermidades sérias, tive um tio que passou muito tempo internado e acabou morrendo e hepatite c. mas isso foi no ano que nasci.

agora, com mais maturidade, passo quase 60 horas por semana no hospital. dessas, cerca de 50 horas em contato direto com pacientes. acho que o ambiente do hospital revela a fragilidade das pessoas, e com isso elas acabam dando vazão a sentimentos diversos. minha sensibilidade fica extremamente aguçada com todas as sensações que o hospital abriga. tanto as boas, quanto as ruins.

tenho filtrado essas sensações, procurando me abrir pros sentimentos de serenidade e alegria. as vezes, é como se tivesse uma luzinha bem fina pairando perto das pessoas. dá pra ver quando elas sorriem; fazem uma cara compreensiva quando a gente tem que pedir pra aguardar mais um pouquinho na sala de espera; ou falam, sonhadores, sobre como vão ficar lindos depois de passar pela cirurgia plástica de reconstrução mandibular.
e, pra quem sente, essa luz é linda demais.