domingo, 27 de setembro de 2009

inversamente proporcional

A cirurgia bucomaxilofacial opera tumores benignos, aqueles bonzinhos, algumas vezes até bonitos, bem delimitados e sem infiltrações nas estruturas adjacentes.
Os malignos, que o próprio nome já diz, são operados pela cirurgia de cabeça e pescoço.

Prefiro gastar meu tempo comentando sobre as diferenças entre as especialidades do que as diferenças entre tumores. Ambos trabalham na face (a cabeça e pescoço com uma área menos restrita, é verdade) e são virtuosos no que se diz ao aspecto técnico das cirurgias -da delimitação da incisão, antes mesmo de pegar o bisturi; aos curativos pós sutura, depois que os pontos já foram dados.

O que muda, é a filosofia. Isso vem não só da formação inicial desses cirurgiões (um é dentista e o outro é médico), mas do que eles operam.
O bucomaxilofacial ouviu durante todo o período de faculdade pra tirar somente a parte do dente que estiver cariada, e manter o resto, mesmo que não esteja em sua melhor forma. A bucomaxilofacial, após optar pela especialidade, opera tumores bem delimitados, a olho nu da pra saber onde ele começa e onde ele termina, portanto, o que deve ser removido durante a cirurgia e o que pode ser mantido, sem causar prejuízos ao paciente.

A cirurgia de cabeça e pescoço opera pica grossa. Não tem como saber onde o tumor começa e onde o tumor termina, as células podem estar infiltradas em um tecido que a olho nu parece, veja bem, parece, saudável. Qualquer célula que sobrar ali na face do paciente pode resultar em recidiva - ou seja, sofrimento em dobro. A cirurgia de cabeça e pescoço trabalha com uma coisa chamada margem de segurança. E uma margem de segurança de um centímetro que seja, na face, no osso mandibular, na língua e nos olhos é muita coisa. Pode resultar em anos de fonaudiologia e mesmo assim o paciente nuca mais vai conseguir falar como antes. Pode resultar na perda de um olho, e nesse caso, as prótese oculo-faciais repõe (naquelas...) somente a estética. Pode resultar na perda de metade da mandíbula, e com isso ausência de contorno facial e de função mastigatória no lado operado.
Nos melhores casos, onde não houve tanta perda de substancia visível, a cicatriz da incisão nem um pouco econômica denuncia o sofrimento passado pelo paciente.
Mas não culpo os cirurgiões, de maneira alguma. A cirurgia de cabeça e pescoço tem que ser agressiva e com isso acaba sendo mutiladora, pois opera tumores agressivos e que não tem piedade do paciente.

Antes de concluir esse post gigante (parabéns e obrigada se vc conseguiu chegar até aqui =D ), mais uma coisa. Sei que não é regra, mas todos os pacientes que atendi no hospital até agora que ja foram operados para câncer de cabeça e pescoço, ou estão em planejamento cirúrgico ou fazendo quimio/radio terapia são ex tabagistas.

Tudo isso pra explicar porque eu, que sempre fumei quando estava deprimida ou acompanhada de um copão de vodca com energético, sinto a vontade diminuir a cada paciente mutilado que eu atendo.

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